domingo, 25 de abril de 2010

3 Contos do Excêntrico Impraticável

Alguns desses contos já constam nesse blog. No entanto, incluí, agora, a versão revisada que inscrevi no concurso literário de São Bernardo do Campo.
KZ
1 – O Violonista

Noite. Poucas estrelas ocupavam o céu e a lua estava tímida, escondendo-se por de trás das nuvens, como a mulher encabulada que se veste de lençóis em situação inusitada.
Sem a luz que a lua tomava emprestada do sol, a noite era um breu. Sua escuridão remetia a alegria pérfida de quando, sem o fulgor do sorriso amado, tomamos o calor alheio. E por saciação e lascívia, acatamos. Julgando comum almejar a inocência como instrumento da vontade.
O caso não era, no entanto, o da felonia física. Sentado à mesa, Ele enamorava-se de um objeto inanimado que ocupava o canto do palco. A porta aberta, do bar onde estava, deixava a noite entrar. E ela entrava sem pedir licença, soprando sua briza fria e primaveril. Foi num desses alentos atravessados, desses que sobem pelas canelas, arrepiando no pescoço, que o dito Objeto foi ao chão. E era mulher; como já dizia o poeta, era a mulher ideal: ... nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele que a ama ... Seduzia como mulher. Foi assim, que naquele momento, ficou clara a atração incontrolável que exerciam um ao outro.
Os médicos o haviam proibido... Não! Na verdade... Recomendado... Pra ser mais exato, o alertaram: ‘Você não pode mais tocar violão, os danos serão irreparáveis’. E nunca a vida o traíra de forma tão desumana.
Ao ver tal preciosidade, estirada, jazente e ressoante no chão, não teve dúvidas. Tomou-o em suas mãos... E pôs-se a tocar intensamente. Como se um espírito o tivesse tomado. Ou com a fartura de um viciado que encontra a droga... Tocou.
Os músicos faziam seu intervalo; encontravam-se no balcão, degustando suas biritas. E ainda que fosse de praxe não deixar os clientes subirem ao palco e, tão pouco, tocar os instrumentos. Consentiram, diante de tamanha beleza e melodia.
As notas saltavam lépidas de sua mão esquerda. Os dedilhados dançavam corda por corda numa cadência sublime e inimaginável em sua mão direita. O bar fechou silêncio ouvindo-o tocar. Ninguém identificara a música, mas era a mais bela de todas as músicas. E todos sabiam, ainda que tacitamente, que aquela seria a única vez que a ouviriam em suas vidas.
Ele estava em transe. As escalas surgiam cada vez mais intensas. Complexas. Sua tez tomava um ar obcecado, lúdico. Suas veias pulsavam quase que percusivamente. Sua cabeça começava a tremer. Seus olhos se reviravam. Sua boca abria e fechava buscando o fôlego inalcançável do ritmo. Seu mundo se acabava de tom em tom, numa contagem regressiva: Preparar para evacuar a alma em: 5, 4, 3, 2...
Ombro.
Uma mão, surgida da infinita escuridão ao seu redor, tocou-lhe o ombro.

- Senhor! O bar já vai fechar!


Levantou a cabeça que apoiava em seus braços debruçados sobre a mesa. Olhou para o palco. E não havia palco. Olhou o garçom, que lhe fitava numa mescla de repreendimento e pena; pagou a conta. Pegou seu chapéu. Virou seu ultimo gole de conhaque. Apanhou sua bengala... E mancou pela noite fria rumo a sua casa. Pelo caminho, rememorava seu tempo. Onde por paixão pela música, abandonou tudo. Assistiu seus antigos companheiros de banda evoluir a um futuro promissor em diversas carreiras. Manteve-se relutante. E pouco a pouco. Sua relutância, converteu-se em desespero. E o desespero, em doença. Fazia vinte anos que ele não tocava em um violão. Assumiu mentalmente que a música era sua doença, seu vício. A condutora de seu fracasso. E que num curto prazo, o conduziria a morte. Nunca houvera sucesso. Nunca houvera talento. Devia ter abandonado a música a tempo, como fizeram seus companheiros. Devia ter constituído família. Ter tido filhos. Ter formado uma vida... Mas não. Seu sonho era maior que a vida. E quando finalmente percebeu que essa vida se esvaia gota a gota em seu suor maldito. E como era maldito... Percebeu, que de sua história, a única coisa ou moral que se podia concluir, é que quem vive em função de sonhos, só é feliz dormindo.

***

2 – A Vida Dele

Recostou a cabeça no travesseiro e concluiu que a vida é ruim. Na cama que não era cama, mas colchão somente, virava de um lado pro outro no corpo que não era seu. No mundo que não era seu. Pensava na vida perfeita que era deveras sua. Imaginava aquele quarto mofado e apertado como uma sátira da realidade. Queria nascer de novo.
Em sua vida de verdade vivia numa grande casa. Uma casa não muito longe da que agora se encontrava. Mas numa vida extremamente distante da que agora vivia...


... Deitado sobre imensa cama, de colchão macio e travesseiros ortopédicos, podia ouvir o som do chuveiro de sua suíte. Era um som firme, de gotas gordas e consistentes. Sua tevê de LCD, quarenta polegadas, instalada na parede à frente, transmitia o futebol; a luta de boxe; o campeonato de golfe... Ele zapeava sem atenção: tantos eram os canais que dificilmente repetia um. O som era proveniente de dois alto falantes embutidos atrás da cama, um pouco acima do grande arranjo de madeira maciça que ornamentava o móvel, além de mais dois alto falantes à frente, acima da tevê, havia ainda um quinto, destinado somente aos graves. O som da televisão, no entanto, era suprimido em sua mente, nesse momento, pelo do chuveiro sendo desligado. Passos molhados foram então ouvidos. Um vento fraco atingiu-lhe os pés; um vento causado pelo girar de toalha que Gabriela fez ao envolver-se na mesma. O ruído do secador começou. Ele desligou a tevê.

- Hoje? Azul ou Pink? – indagou Gabriela da porta do toalete, olhando-o com a complacência do amor e da admiração que se tem pela pessoa que transforma sua vida em algo maravilhoso. Ele não precisou responder, Ela concluiu, por seu olhar, que preferia o azul. Voltou-se para o biombo e vestiu-se de céu.

Ele, ao observá-la, caminhando em direção a cama, concluiu ser o homem mais feliz do mundo: A ceda cobria-lhe os seios nus; adaptava-se por sua cintura como se fosse dela a única cintura para aquela peça. Um shortinho rendado delineava o pequeno pedaço de coxa que cobria. E ela deitou-se ao seu lado... Abraçou-lhe a cintura, recostando a cabeça em seu peito de nadador. Suspirou o ar da felicidade que se sente na plenitude da mesma; colocou sua perna sobre a dele, e apertou-se contra seu tórax.

-Acho que devíamos fazer uma loucura amanhã! – Exclamou Gabriela como quem pede licença para fazer uma travessura. Seus olhos buscaram os dele, acima, e ela sabia, que desse ângulo, Ele jamais lhe negaria coisa qualquer que fosse – Devíamos acordar; tomar um banho juntos; um café da manhã bem reforçado; entrar no carro só com a roupa do corpo; ir até o shooping, comprar tudo que precisamos para a viagem e seguir para Minas.

Não houve palavra. Tacitamente Ele dera a benção aos planos de sua amada. Gabriela lhe beijou o peito nu, um pedaço de cada vez, subindo o caminho do pescoço até a orelha. Colocou-se em seu colo, arqueou-se à sua boca. E retribuiu-lhe a compreensão e o amor que recebia, com mais amor.

Dez da manhã Ele acordara. Gabriela ao seu lado sorria dormindo. Ele levantou-se; calçou seus chinelos; enrolou-se em seu hobby vinho, de detalhes dourados; e caminhou até a cozinha. Inspecionou por um momento os armários em busca do pó de café. Não sabia onde nada estava. Sem Matilde, a empregada, era um estranho naquele ambiente. Não sabia usar metade dos aparelhos domésticos que se arranjavam sobre a colossal bancada de inox. Não conseguiria preparar o café sem a empregada. Pensou que não devia tê-la dispensado para passar o ano novo com seus parentes em Tocantins. Arrependera-se, por um instante, do bônus que dera a ela para compra das passagens; de ônibus, logicamente. Praguejava contra os aparelhos e talheres, quando mãos macias lhe contornaram por baixo dos braços o peito. Tão logo sentiu os seios de Gabriela contra suas costas, sentiu-se calmo novamente.
Gabriela preparava o café enquanto Ele, sentado à mesa, passava cream-cheese nos croissants. Olhando-a de costas, cantarolando à bancada, admirou a silhueta da esposa, exatamente igual nos últimos treze anos. Terminou rápido o trabalho com o cream-cheese, levantou-se e, esquivando os longos cabelos negros, beijou-lhe o pescoço. Gabriela abraçou-lhe a cabeça com uma das mãos, utilizando a outra para servir o café; virou-se, culminando em sua boca. E beijaram-se de lá até a banheira.

Partiram algum tempo depois utilizando o carro de Gabriela, que assumiram ser mais prático devido ao amplo espaço de porta-malas. Seguiram ao shooping. No caminho, discutiram sobre o que ouviriam durante a viagem: optaram por Toquinho e Vinicius de Moraes: o CD que Ele ganhara alguns dias atrás, de Gabriela, juntamente com o violão original utilizado por Toquinho naquele show, na Itália.

No shooping, separaram-se pela primeira vez naquele dia. Ela seguiu para as compras das roupas, malas e presentes; enquanto Ele, seguiu à livraria para colocar em dia sua biblioteca. Hora em vez se telefonavam: era, comumente, Gabriela convocando-o com novas sacolas para serem carregadas até o carro.
Algumas horas e alguns milhares de reais depois estavam na praça de alimentação, provendo-se de alimentos para a viagem. Gabriela, enquanto comia, dissertava sobre itinerário e o hotel que havia reservado para descansarem da viagem antes de chegar à casa de seus pais. Havia feito a reserva pelo celular enquanto comprava; gabava-se ter conseguido tudo online: tanto encontrar o melhor hotel (o qual se desviariam somente alguns quilômetros para pernoitar), quanto reservar o melhor quarto numa época de ano tão difícil.

A viagem seguiu tranquila. O transito na saída de São Paulo não os abatera. Enquanto Ele dirigia, Gabriela arrumava as malas e as compras no banco de trás do carro. Algumas horas depois, já estavam no hotel.
Mandaram trazer para o quarto um Margaux. Brindaram num copo inadequado para o vinho, mas não se abalaram. Jantaram no restaurante do hotel. Voltaram a seus aposentos. E dormiram um bom tempo na varanda, abraçados, assistindo as estrelas que ocupavam cada centímetro do céu.

No outro dia bem cedo, partiram. Gabriela ligava para a irmã, Rafaela, vangloriando-se da loucura que fizera. Ela apresentaria naquele ano o novo namorado à família. Ouvindo de rabo de ouvido, Ele sorriu quando Gabriela tirou sarro dizendo à irmã que “todo ano o ponto alto de encontrá-la era descobrir quem era seu novo acompanhante”. Não demorou, chegaram à casa dos pais.

Tiveram uma recepção calorosa. Gabriela foi puxada pelas primas para que lhes mostrasse os presentes e as roupas novas. Ele, foi levado à sala, onde lhe ofereceram conhaque e um charuto cubano. Seu sogro, lhe guardava na mais alta estima; sua sogra, o considerava um filho. Almoçaram fraternamente naquele dia, enquanto Ele lhes explicava os perigos e benefícios do mundo literário, assim como lhes contava, por alto, qual seria a história de seu novo livro. Concordaram em unanimidade que seria um best-seller.

Naquela noite, vestiam branco. O calendário marcava trinta e um de Dezembro, e o relógio onze e cinqüenta e cinco. Todos se dirigiram para o local mais alto do sítio, de onde poderiam ver de camarote os fogos de artifício na cidade. De mãos dadas, Ele e Gabriela se entreolhavam, memorando mentalmente os anos maravilhosos que passaram juntos. Juraram, cada um em silêncio e para si mesmo, que esses anos durariam para sempre. Contaram em voz alta: cinco, quatro, três dois, um... E todos se abraçaram e desejaram felicidades. Gabriela olhou para Ele, disse com os olhos marejados de lágrimas de felicidade que “o amava mais que a própria vida”. Ele lhe sorriu abertamente, e disse que “se apaixonava por ela todos os dias, desde a primeira vez que a viu passar frente a sua casa”. Os dois se beijaram apaixonadamente, e se abraçaram naquele momento, e por toda a vida.


O relógio batia duas da tarde quando ele abriu os olhos. Olhou para o lado e viu a escrivaninha improvisada com uma mesinha de bar que ocupava o lado de seu colchão inflável. Levantou meio abatido, meio torto... Seguiu à cozinha, e ninguém estava na casa. A pia, repleta de formigas, ostentava um ultimo pedaço de panetone; ele o deixou as formigas. Contou setenta centavos nas moedas que constavam no ‘pote-das-moedas’; deixou-as ao pote. Seguiu pelo quintal de cimento batido, apoiando de vez em quando na parede descascada à sua direita, em direção ao portão. Na rua de terra, frente à sua casa, viu em seu pensamento a garota que vez em nunca passava por ali. Com seus cabelos negros, olhos castanhos escuros que davam a impressão de poder mergulhá-los, boca de lábios sempre rosados que, hora em vez, se entreabriam para recuperar o fôlego da caminhada; corpo do tipo que promete ser lindo por toda a vida. Viu a garota que ele, imaginativamente, batizou de Gabriela. A garota que lhe fazia querer ser um homem melhor.


***


3 - Maquinal

Por algum motivo que não consigo entender, acordo todos os dias as sete em ponto. Sou despertado sempre pelo mesmo sonho: Estou em um hospital, tento preencher desesperadamente uma ficha onde apenas números são colocados de forma aleatória; porém, entendo perfeitamente, naquele momento, a disposição destes números. No sonho, estou com pressa, pois acabei de roubar um caderno de receitas e preciso fugir o mais rápido possível. Quando estou nos últimos números, um médico chama meu nome; engraçado, mas me lembro de tudo estar muito bem planejado. No sonho, o roubo era algo magistral dentro de sua harmonia incoerente. Mas esse é o momento em que algo saiu errado, trêmulo, termino de preencher a ficha, largo no chão, e corro para a saída. O hospital é imenso, um prédio de intermináveis andares, pelos quais desço apressadamente as escadas, me deparando diversas vezes com policiais na direção oposta. Quanto tempo vai levar para que me desmascarem? Pois eu sei que o vão. Quanto tempo vai levar para chegar á saída? Bem... Essa é a terrível incógnita. As escadas são longas e diversas de curvas, eu começo a quase não tocar os pés no chão, desço as escadas agora deslizando sobre os degraus e, nesse momento, meu corpo me trai. Tropeço. Plaino por alguns instantes, e antes mesmo de atingir o chão, já sei que fui descoberto. Quando finalmente me estatelo, a dor é substituída por um susto. Esse que me acorda todas as manhãs. As sete em ponto.
Na cozinha o café de ontem está gelado, claro. Mas é assim que o tomo todas as manhãs. Antes de qualquer coisa, preciso de um gole de café. Acendo um cigarro, e corro pro banheiro. Cago, escovo os dentes, lavo o rosto... Saio. Sete e quinze estou no ponto de ônibus. Não para trabalhar nem qualquer nobre finalidade. Sento-me e a espero passar. Sempre linda, seu perfume sinto do outro lado da rua. Não de forma agressiva como sugere a força da expressão, mas suave como uma tragada de vida, enchendo os pulmões da esperança a muito perdida. Religiosamente almejo sua chegada com o furor de uma criança que espera o brinquedo novo. Mas palavras e gestos são pecados. Eu só a vejo, sinto seu aroma, e ela passa. Com a mesma rapidez de minha vida. Oh Deus, se ao menos eu tivesse coragem... Ou um carro.
Tem um velho sentado ao meu lado agora; chamo de velho mas deve ser mais jovem que eu. Ele normalmente não fica ali. Começo a sentir ciúmes da minha psicose como se o direito de estar ali fosse somente meu, como se aquilo não fosse um ponto de ônibus, mas sim meu oráculo pessoal, em busca de um entendimento que nem eu sei qual é. Um lugar que necessito estar todos os dias e nunca me atrasar um segundo sequer, como se minha vida dependesse diretamente deste ritual e algo terrível fosse acontecer se acaso ele fosse quebrado. Eu sei que não é verdade, mas não tenho coragem de apostar no contrário.

- Que horas são?
- Sete e meia! – Me responde o velho.
- E agora?
- Como assim? – Ele me pergunta com cara de bobo. Ah o tempo... A ilusão de poder controlá-lo nos toma sempre de forma cruel, pois o segundo em que perguntei, acabou um segundo atrás. E assim, o presente é uma constante na qual nunca estaremos.
- Esqueça! Tenha um bom dia, velho.

Levanto-me e saio, atravesso a rua e sigo a minha direita beirando as árvores do parque e ouvindo os pássaros idiotas que cantam sempre fora do tempo, às vezes até gosto deles; mas hoje queria uma espingarda. Não ando muito e chego ao segundo ponto de meu ritual matinal: a padaria. Chego lá e tem um cara esquisito com cara de almofadinha sentado no meu lugar, será que é um complô? Desgraçado... Eu preciso deste lugar. Não vou conseguir comer se não for no meu lugar de sempre. E a propósito... Onde esta a Lucy? Na cozinha? No banheiro? Onde? Bem... Um problema de cada vez. Primeiro preciso recuperar meu lugar.

- Com licença, almofadinha. Por acaso você já terminou o seu café ou vai demorar muito?
- Desculpe! O que você disse?
- Perguntei se você vai ficar ai enrolando para tomar esse café, afim de esperar a hora que eles começam a servir bebidas alcoólicas, ou vai sair logo daí.
- Você é algum tipo de maluco?

Maluco? Será que é isso? O mundo nos bombardeia massivamente com a idéia constante da rotina e quando alguém finalmente resolve segui-la, esse mesmo mundo o rotula de maluco?

- Olha aqui seu almofadinha bêbado, fracassado e sujo. Existem ‘milhares’ de lugares vagos nessa padaria, e você resolve sentar-se bem no meu? Sabe há quanto tempo eu me sento nesse lugar? Você por acaso sabe a importância que tem para mim seguir meu ritual religiosamente da mesma forma? Ah não, você não sabe! Não saberia o significado da palavra importância nem que ele caísse nessa sua cabeça chata; e nem se tivesse capacidade de ficar sóbrio trinta minutos de seu dia, que fosse, você entenderia o significado da palavra importância.

O cara esquisito se levantou, e foi embora. Sentei no meu lugar e esperei Lucy surgir radiante em seu sexy avental manchado de óleo; a toca amarelada pela fumaça constante que vaza dos cigarros alheios... Pedi o que peço todas as manhãs:

- Lucy, quero você!
- E o que mais?
- Um pingado e um pão na chapa! Por favor.


Termino meu café e saio. Como sempre. Preciso seguir para meu próximo ponto: a banca de jornais.
Gosto de olhar as capas das revistas antes de comprar o mesmo jornal que compro todos os dias; e ele realmente é quase que literalmente o mesmo. Tudo é uma enorme repetição. O mundo; as pessoas; as capas das revistas; os atores; as poses fotográficas; as mentiras tabloidianas... Ah... Eu poderia continuar infinitamente. Pego a porcaria do jornal e vou embora.

À volta pra minha casa costumo fazer por um caminho diferente; não gosto de fazer o mesmo caminho duas vezes no mesmo dia. E nunca faço. Passo por duas ruas a mais por conta disso; mas não me importa andar um pouco a mais, contanto que meu esquema diário esteja instável.
Minha casa é pequena: um quarto uma cozinha e um banheiro. Não preciso de mais que isso; e nem quero. Meu quarto tem uma parede com jornais empilhados até o teto em toda sua extensão quadrada. São os jornais dos últimos seis anos, não consigo jogá-los fora; e não jogo. Dos últimos seis anos, porque nem sempre eu fui assim: metódico. Mas desde que aconteceu aquilo... Tão terrível... Não quero falar sobre isso.

É chegada a hora de assistir aquele programa que eu odeio. Aquela mulher insuportável, com suas receitas estúpidas e aquele animal de pelúcia com o qual ela conversa todas as manhãs jurando por Deus que ele está vivo. Que deplorável.
Ela começa com suas piadas sem graça e de repente uma coisa quebra meu esquema: uma dor atinge meu peito como uma facada, um tiro ou qualquer coisa do gênero. É o coração. Isso não acontece todo dia. Logo, não deveria estar acontecendo. Mas está. A dor começa a fazer meu braço esquerdo formigar e penso que devo chamar uma ambulância. Infelizmente não tenho telefone. Se tivesse, correria o risco de ele tocar em horários diferentes todos os dias. Jamais suportaria essa assimetria. A dor chega a um ápice... Insuportável... Insuportável...
... Estabiliza. E então... Vira conforto. Isso é a morte. Não tem como morrer todo dia. Terei de aceitar esta mudança em minha rotina. Nesse momento me lembro de você, meu amor. E fico feliz em saber que sentiu este mesmo conforto que sinto agora; quando aconteceu aquilo... No hospital... As sete em ponto... Tão terrível...

***

quarta-feira, 21 de abril de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Máximas de KZ

Os relacionamentos dão certo enquanto a realidade não se interpõe. A sinceridade deve ser, então, o melhor instrumento para o controle de natalidade.