sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A Vida Dele

Recostou a cabeça no travesseiro e concluiu que a vida é ruim. Na cama que não era cama, mas colchão somente, virava de um lado pro outro no corpo que não era seu. No mundo que não era seu. Pensava na vida perfeita que era deveras sua. Imaginava aquele quarto mofado e apertado como uma sátira da realidade. Queria nascer de novo.
Em sua vida de verdade vivia numa grande casa. Uma casa não muito longe da que agora se encontrava. Mas numa vida extremamente distante da que agora vivia.

Numa cama imensa de colchão de mola, podia ouvir o som do chuveiro de sua suíte. Era um som firme, bem diferente do pingar do chuveiro do banheiro de fora que estava usando até então. Da cama, podia assistir sua tevê de trinta e duas polegadas que pendia na parede. Nem sabia ao certo o que assistia; tantos eram os canais que dificilmente repetia um. O som vinha de dois alto falantes instalados atrás da cama, um pouco acima do grande arranjo de madeira maciça que ornamentava o móvel, além de mais dois alto falantes à frente, um pouco acima da tevê. Havia ainda uma quinta caixa, destinada somente aos graves. O som da televisão, no entanto, era suprimido em sua mente pelo do chuveiro, que nesse momento, era desligado. Ele mutou o som. Passos molhados foram então ouvidos. Um vento fraco atingiu seus pés; um vento causado pelo girar de toalha que Gabriela fez ao envolver-se na mesma. O som do secador começou. Ele continuou ouvindo o som de seu sonho realizado.

- Hoje? Azul ou Pink? – Soou a voz frágil através da porta, com a cabeça pendida para fora. Olhando com a complacência do amor e da admiração que se tem pela pessoa que transforma sua vida em algo maravilhoso. Ele não precisou responder, ela concluiu por seu olhar que preferia o azul. Voltou-se para o banheiro e vestiu-se de céu.

Ele, ao observar o caminhar de Gabriela em direção a cama, concluiu ser o homem mais feliz do mundo. A ceda cobria os seios nus de sua amada, adaptava-se por sua cintura como se fosse dela a única cintura para aquela peça. Um shortinho rendado delineava o pequeno pedaço de coxa que tapava. E ela deitou-se ao seu lado. Abraçou-lhe a cintura, recostando a cabeça em seu peito de nadador. Suspirou o ar da felicidade que se sente na plenitude da mesma; colocou sua perna sobre a dele, e apertou-se contra seu tórax.

-Acho que devíamos fazer uma loucura amanhã! – Exclamou Gabriela como quem pede licença para fazer uma travessura. Seus olhos viravam-se aos dele, para cima, e ela sabia, que desse ângulo, ele jamais lhe negaria coisa qualquer que fosse – Devíamos acordar; tomar um banho de banheira juntos; um café da manhã bem reforçado; entrar no carro só com a roupa do corpo; seguir até o shooping, comprar tudo que precisamos para a viagem e seguir pra Minas.

Não houve palavra. Tacitamente ele dera a benção aos planos de sua amada. Gabriela lhe beijou o peito nu, um pedaço de cada vez, subindo o caminho do pescoço até a boca. Colocou-se em seu colo, arqueou-se mais uma vez pra sua boca. E retribuiu-lhe a compreensão e o amor que ele lhe dava, com mais amor.

Dez da manhã ele acordara. Gabriela ao seu lado sorria dormindo. Ele levantou-se; calçou seus chinelos; enrolou-se em seu hobby vinho, de detalhes amarelos; e caminhou até a cozinha. Inspecionou por um momento os armários em busca do pó de café. Não sabia onde nada estava. Sem Matilde, a empregada, era um estranho naquele ambiente. Não sabia usar metade dos aparelhos domésticos que se dispunha sobre a imensa bancada de inox. Não conseguiria preparar o café sem a empregada. Pensou que não devia tê-la dispensado para passar o ano novo com seus parentes em Tocantins... Arrependera-se, por um instante, do bônus que dera para compra das passagens; de ônibus, logicamente. Praguejava contra os aparelhos e talheres, quando mãos macias lhe contornaram por baixo dos braços seu peito. Tão logo sentiu os seios de Gabriela apertar-se contra suas costas, sentiu-se calmo novamente.

Gabriela preparou o café enquanto ele passava cream-cheese nos croissants. Olhando-a de costas, admirou a silhueta da esposa, que se manteve exatamente igual nos últimos treze anos. Terminou rápido o trabalho com o cream-cheese, levantou-se para lhe abraçar e beijar seu pescoço. Gabriela abraçou-lhe a cabeça com uma das mãos, utilizando a outra para servir o café; virou, culminando em sua boca. E beijaram-se de lá até a banheira.

Partiram algum tempo depois, utilizando o carro de Gabriela, que assumiram ser mais pratico que o dele, uma vez que tinha amplo espaço de porta mala para colocarem as compras que fariam. Seguiram ao shooping. No caminho discutiram um pouco sobre o que ouviriam durante a viagem: optaram em comum acordo por Toquinho e Vinicius de Moraes; o CD que ele ganhara alguns dias atrás, de Gabriela, juntamente com o violão original utilizado por Toquinho naquele show, na Itália.

No shooping, separaram-se pela primeira vez naquele dia. Ela seguiu para as compras das roupas e das malas, assim como dos presentes com os quais ela presentearia seus parentes mineiros; enquanto ele, seguiu à livraria para colocar em dia sua biblioteca. Hora em vez, se telefonavam; comumente, era Gabriela convocando-o com novas sacolas para que ele as carregasse até o carro.
Algumas horas e alguns milhares de reais depois, estavam na praça de alimentação. Provendo-se de alimento para a viagem. Gabriela, enquanto comia, dissertava sobre itinerário e o hotel que havia reservado para descansarem da viagem antes de chegar à casa de seus tios. Gabriela fizera a reserva, por telefone, enquanto comprava; gabava-se de ter conseguido ter feito tudo online: tanto encontrar o melhor hotel, do qual se desviariam somente alguns quilômetros para pernoitar; quanto da reserva, que conseguira o melhor quarto numa época de ano tão difícil.

A viagem foi tranqüila. O transito na saída de São Paulo não os abatera. Enquanto Ele dirigia, Gabriela arrumava as malas e as compras no banco de trás do carro. Algumas horas depois, já estavam no hotel.
Mandaram trazer para seu quarto um Margaux. Brindaram num copo inadequado para o vinho mas não se abalaram. Jantaram no restaurante do hotel. Voltaram a seus aposentos. E dormiram um bom tempo na varanda, assistindo as estrelas que ocupavam cada centímetro do céu.

No outro dia bem cedo, partiram. Gabriela já havia ligado para sua irmã Rafaela, para contar e se gabar da loucura que fizeram. Rafaela apresentaria naquele ano o novo namorado, Jefferson, para a família. Ouvindo de rabo de ouvido, Ele sorriu quando Gabriela tirou sarro dizendo à irmã que “todo ano o ponto alto da chegada de Rafaela era a descoberta de quem era seu novo acompanhante”. Não demorou, chegaram à casa dos tios.

Calorosamente foram recebidos. Gabriela foi puxada pelas primas para que lhes mostrasse os presentes e as roupas novas. Ele, foi levado à sala, onde lhe ofereceram conhaque e um charuto cubano. Seu sogro, lhe guardava na mais alta estima, sua sogra o considerava um filho. Almoçaram fraternamente naquele dia, enquanto ele lhes explicava os perigos e benefícios do mundo literário, assim como lhes contava, por alto, qual seria a história de seu novo livro. Concordaram em unanimidade que seria um best seller.

Naquela noite, todos se vestiam de branco. O calendário marcava trinta e um de Dezembro, e o relógio onze e cinqüenta e cinco. Todos se dirigiram para o local mais alto do sítio, de onde poderiam ver de camarote os fogos de artifício na cidade. De mãos dadas, Ele e Gabriela e se entreolhavam, memorando mentalmente os anos maravilhosos que passaram juntos. Juraram, cada um em silêncio e para si mesmo, que esses anos durariam para sempre. Contaram em voz alta: cinco, quatro, três dois, um... E todos se abraçaram e desejaram felicidades. Gabriela olhou para Ele, disse com os olhos marejados de lágrimas de felicidade que “o amava mais que a própria vida”. Ele lhe sorriu abertamente, e disse que “se apaixonava por ela todos os dias de sua vida, desde a primeira vez que a viu passar frente a sua casa”. Os dois se beijaram apaixonadamente, e se abraçaram naquele momento, e por toda a vida.

O relógio batia duas da tarde quando ele abriu os olhos. Olhou para o lado e viu a escrivaninha improvisada com uma mesinha de bar que ocupava o lado de seu colchão. Levantou meio abatido, meio torto... Seguiu à cozinha, e ninguém estava na casa. A pia, repleta de formigas, ostentava um ultimo pedaço de panetone; ele o deixou as formigas. Contou setenta centavos nas moedas que constavam no pote; deixou-as ao pote. Seguiu pelo quintal de cimento batido; apoiando de vez em quando na parede descascada à sua direita, em direção ao portão. E na rua de terra, frente a sua casa, viu em seu pensamento a garota que vez em nunca passava por ali. Com seus cabelos negros, olhos castanhos escuros que davam a impressão de poder mergulhá-los, boca de lábios sempre rosados que, hora em vez, se entreabriam para recuperar o fôlego da caminhada; corpo do tipo que promete ser lindo por toda a vida. Viu a garota que ele, imaginativamente, batizou de Gabriela. A garota que lhe fazia querer ser um homem melhor.

Um comentário:

Isadora Tucci disse...

Você se supera a cada com esse poder de conseguir costurar as palavras em tão perfeita ordem. Nós não lemos sua poesia, é ela quem nos lê.